4.10.11


-"Provérbio mais do que acertado sr Pompeu!"

-"É verdade dona G. mas não passa de um provérbio!"

-"Os provérbios existem porque têm algum fundamento sr Pompeu!"

-"Sim, mas não se podem levar à letra dona G."

-"Se eu juntasse a sabedoria de hoje com a energia de outrora..."

-"Seríamos todos uns super homens e umas super mulheres dona G!"

-"Eu teria feito tudo ao contrário e teria tido menos dissabores na vida sr Pompeu!"

-"Essa agora deu que pensar dona G..."

-"Está a ver onde quero chegar sr Pompeu?"

Fez-se silêncio na mercearia Harrieta e quando dou por ela, o Pompeu tinha os olhos rasos de água. Perguntei-lhe o que tinha. Ele de voz embargada e muito constrangido, disse: -"Não tenho nada dona G... esse é que é o problema! Sou um homem vazio por dentro e por fora! Nunca conheci o verdadeiro amor por medo, nunca me atrevi a a procurá-lo por covardia e nunca tive um dissabor na vida, porque antes que a vida me sacaneasse, afastei toda a gente do meu caminho, magoando antes que alguém me pudesse magoar a mim..."

Saí de lá confusa com a revelação minha amiga... Que seria aquilo afinal? Porquê comigo? Simples desabafo de um velho para outro? Ou uma confissão apertada no peito que saltou fora por não ter mais margem para se conter?...

 

Um beijo com saudade,

 

G.

 

link do postPor A Velha Amarga, às 08:57  comentar

3.10.11

 

-Pára com isso sua parva! Já chega de chorar! Já chega de ter pena de ti própria! Já chega!-

Foi assim Harrieta, que hoje consegui levantar-me da cama e vir aqui escrever a tua carta!

Ontem foi o aniversário da tua morte minha querida amiga, e eu fui-me abaixo... Meti-me na cama sem querer ver ninguém, fechei os olhos inchados e pedi à noite para encerrar o dia, que a luz eu já não suportava mais! Porque é que me engano e continuo a agir como se ainda cá estivesses? Não sou maluca, nem sofro de alucinações pois eu sei que já morreste! Eu sei que já não te tenho, mas fazes-me tanta falta Harrieta...

Parte de mim morreu contigo porque uma amizade como a nossa é uma pedra preciosa muito difícil de encontrar.

Sinto-me só, mas quando olho pela janela, vejo um mundo cheio de gente. Gente à espera de ser encontrada, gente à espera de ser abraçada e acarinhada, portanto: -Pára com isso e deixa de ser dramática sua parva, e levanta-me esse rabo gordo da cama, veste o fato de treino e vai pôr-te em movimento! É uma ordem!-

Foi o que fiz! Não fui ao ginásio mas vesti o fato de treino na mesma, cheia de energia e vontade! Sentei-me na cama para calçar as sapatilhas e... fiquei-me pela energia e pela vontade porque dasatei num mar de lágrimas, tantas que consegui deixar o cão solidário comigo, e quando dei por ela já era um dueto de uivos e lamúrias de fazer chorar as pedras da calçada...

-Pára com isso sua parva, estás a ser dramática sem haver motivo para isso! A Harrieta morreu porque já era velha e tinha chegado a hora dela! A tua também há-de vir, por isso não desperdiçes o tempo que ainda tens por cá, sua parva!!-

Foi como um bálsamo minha amiga! Levantei-me, ajeitei-me, endireitei-me e sai com o Napoleão para dar um passeio à rua!

Obrigada pelo empurrão querida amiga, pois eu sei que foste tu quem me deu alento para reagir! As palavras eram tuas lembraste? Quando te sentias pior, já nos derradeiros dias de vida, dizias para ti mesma: -"Pára com isso sua parva! Estás a ser dramática! Levanta-te já e reage! É uma ordem!!"

Obrigada pela lição de vida!

 

Da tua sempre,

 

G.

link do postPor A Velha Amarga, às 16:17  comentar

1.10.11

 

 

Sou uma boa cristã como sabes Harrieta, não sou daquelas de bater com a mão no peito e depois esfaquear pelas costas. Vou à missa quando posso, e quando não posso não me esqueço dos ensinamentos que lá vou buscar!

Hoje ao entrar num supermercado fui recebida por uma mão estendida. Uma mulher estrangeira, sentada no chão com uma criança de cerca de 4 anos, estava a pedir esmola. Fiquei doente! Fico sempre com a desumanidade! Parei, e enquanto as outras pessoas passavam por elas como se de invisíveis se tratassem, disse-lhe que quando saísse lhe dava alguma coisa. A menina dormia deitada num cobertor fino e velho. Fiquei de rastos porque estava um frio de rachar e chovia miudinho, e aquele chão de cimento parecia-se com tudo, menos com o lugar quente e acolhedor a que todas as crianças deveriam ter direito na hora do descanso.

Fiz as compras e trouxe numa saca à parte, água, pacotinhos de leite com chocolate, pão, fruta e bolachas. Trouxe também um pequeno brinquedo e entreguei à mulher, dizendo que era para dar à menina! Disse-lhe que dinheiro não lhe queria dar, que me desculpasse. Ela sorriu agradecida e a criança ficou apreensiva quando o brinquedo lhe foi posto nas mãozitas enregeladas. Deu para perceber que não está habituada a este tipo de "luxos"... Ainda conversei um bocadinho com elas e consegui apurar que são romenas. Não percebi se a menina era filha ou neta ou até se lhe era alguma coisa... Vim embora de coração partido e decidi que a minha boa acção não ia terminar por ali. Dirigi-me a um centro de apoio e combate à pobreza e pedi para passarem lá e verificarem a situação. Qual não é o meu espanto e indignação, quando me dizem que para tal era necessário todo um conjunto de formalidades e burocracias, e que só depois iriam contactar as pessoas.

Disse-lhes que o problema era agora e não amanhã ou depois, porque estas pessoas não têm paradeiro certo e tratando-se de uma criança, as coisas deveriam ser agilizadas nesse sentido. 

Riram-se na minha cara, como se eu fosse ingénua e estivesse a dizer a maior barbaridade do mundo. 

Informaram-me acerca do número dos sem abrigo existentes na cidade e no país, acerca dos procedimentos que estavam a ser levados a cabo, acerca do esforço dos governos no combate ao flagelo e ainda sobre o dever de cada um contribuir monetariamente para este tipo de causa, apontando para uma latinha que dizia: Contributos...

Eu nem queria acreditar nos meus ouvidos e nos meus olhos! Olha, passei-me da moleirinha e disse à funcionária loira oxigenada e de unhas vermelhas de meretriz, que era mãe do Dr Fulano de Tal, Juíz de Instrução Criminal e que os punha a todos em contencioso se não adoptassem outro tipo de postura, e ainda que ia enviar uma carta à entidade responsável pela instituição, apresentando queixa sobre a falta de profissionalismo e de boa vontade por parte da  entidade!

Pedi também livro de reclamações e quando me disseram que não sabiam dele, subiram-me cá uns calores, que agarrei no telefone que estava em cima do balcão e gritei que ia apresentar queixa!...

Ahhh.... soube-me bem... afinal as aulas de representação que tive no externato, sempre serviram para alguma coisa! E não é que resultou? E como num passe de mágica, passei a ter atendimente personalizado e priveligiado!

Foi simplesmente magnífico e eu senti-me mais útil do que nunca!

Maravilhoso mesmo!

 

E por hoje é tudo querida amiga, despeço-me com saudade,

 

Da tua sempre,

 

G.

link do postPor A Velha Amarga, às 09:40  comentar

30.9.11

 

 

Fui à mercearia e encontrei a tonta da Josefina, que evito sempre que posso, porque aquela quando sai à rua leva sempre metro e meio de língua atrás!

Bem, ia eu tão embrenhada nos meus pensamentos Harrieta, que nem dei por ela! Quando vou a entrar, embati no Pereira que trazia um saco de legumes e frutas. Resultado: Os legumes e as frutas esparramaram-se todos rua abaixo... -"Oh Sr Pereira, peço imensa desculpa, deixe-me ajudá-lo!" -"A culpa foi minha que não a vi dona G..." -Toca a apanhar os tomates do Pereira, todos pisados e molengas, coitado do homem, aquilo agora só mesmo pra bolonhesa, que pra salada já não dava... Quando lhe passei a saca, ele em vez de agarrar nela, agarrou-me a mão e não largava! Estava trémulo e passava o lenço pela testa! Disse-lhe na brincadeira que a asa não era a minha mão e ele ficou muito corado e o bigode retorcia! Olha que o interesse dele, afinal, parece que se mantém! Mas eu, nada, claro! Tenho a minha dignidade e não me ofereço ao desbarato! Concluíndo: A parva da Josefina, que estava lá dentro a cuscar tudo, deixou o Pereira ir embora e disse-me em tom de inocência sarcástica: -"Oh dona G., bom dia! Então a senhora esmagou os tomates ao sr Pereira?!...Olhe que ele está viúvo mas ainda não largou o luto... a mulher dele era mesmo boa pessoa, coitada, morreu tão nova...."- Bem, olha... apeteceu-me cometer um crime ali mesmo, em plena luz do dia e rodeada de testemunhas e tudo! Aquele pescoçozinho de abutre careca estava mesmo a pedi-las, e só não lhe deitei as mãozinhas ao gasganete, porque porque e também porque o pobre do Pompeu interrompeu logo ali a conversa e mudou de assunto antes que um motim lhe arruinasse a mercearia toda!

Porque sou uma pessoa educada e simpatizo com o homem, fiz as minhas compras, sai e esperei que ela saisse também. Agarrei-a por um braço quando ela  ia a colocar o pezinho na soleira e disse-lhe: -"Vamos tomar um cafezinho, venha que eu pago!" -Podes crer Harrieta que a Josefina quase me teve um ataque ali  no meio da rua, e muito caladinha veio comigo até ao café, sentei-a quase à força, pedi o café, bebi-o, e por fim disse-lhe com toda a serenidade do mundo: -"Sabe, minha querida, havia uma senhora nos EUA, que gostava muito de dar à língua e de falar da vida alheia, meter o nariz onde não era chamada e pôr  tudo em reboliço... Uma pobre de espírito, enfim.... Sabe o que é que lhe aconteceu? Sabe? Não sabe? Ohhh, deve ter ouvido falar concerteza pois isto passou-se não vai há muitos anos... Deu no Telejornal e tudo! Uma vizinha a quem ela tinha dado cabo da vida com o leva e trás, pegou na faca da carne e traçou-lhe a língua fora!! Verdade minha amiga! Que um raio me caia em cima se eu minto!... Bem, olhe, agora tenho mesmo de ir que se faz tarde! Obrigada pelo cafezinho, sim? Até um dia destes! Gosto em vê-la!"

Saí aliviada! 

 

Beijinhos,

 

G.

 

 

 

 

link do postPor A Velha Amarga, às 09:49  comentar

29.9.11

 

 

Tenho uma janela com vista para o prédio da frente, não sei se te lembras Harrieta.

Pois então, estava eu um destes dias a limpar a dita, quando ao passar o limpa vidros vejo a maior "pouca vergonha" que alguma vez pensei ver!

Não é que mesmo por cima da mercearia, está um grupo de estudantes (moças), que eu tinha como boas raparigas (pacatas), e quando olho, vejo uma delas com um rapaz na cama, a fazer coisas que nem naqueles canais de adultos, coisas que nem eu sei o que são, coisas que nem te passam pela cabeça mulher!

"Eu fiquei pra a minha vida"! Era ele por cima, ele por baixo, ela pra frente e pra trás, vira, revira, enrola, rebola, gira, torçe e eu sei lá... A mocita, que parece que vai pra freira, é mas é o diabo de saias! Ou melhor, sem elas! Sem elas e sem o resto, que aquilo devia ser p´rali um calor, que estava a ver que a cama pegava fogo e tudo!!

Eu a pensar que já tinha visto de tudo na vida! A pensar que com esta idade ninguém me ensinava nada... olha... aprendi mais naqueles minutos do que em toda a minha vida! Nunca pensei que a coisa se pudesse fazer de tantas maneiras diferentes! Baixei a persiana e fiquei a espreitar! Fiquei olha, quero lá saber o que te vai pela cabeça agora! Fiquei e pronto! Tu também ficavas! Deu-me cá uma raiva por já não ter aquela idade, que quando o espctáculo acabou, fui vestir o fato de treino e fui direitinha ao ginásio! Pedi para fazer a aula mais pesada que a minha idade aguenta! Dei-lhe com tanta energia que até sai de lá com as pernas a tremer...

Eu vou pôr-me em forma e vou arranjar namorado, vais ver! Quero pôr em prática os meus mais recentes conhecimentos e descontar o tempo perdido aha!!

Caramba! Quando era nova eu até nem gostava muito de fazer aquilo, porque era sempre tudo igual, chato e monótono e acabava depressa, e eu, ficava sem perceber muito bem se me tinha sabido bem ou se me tinha sabido a pouco, e depois, o Juvenal começava a roncar e eu ficava cheiinha de dores de cabeça... e quando foi do Lopes, olha, levantava-se logo, vestia-se e dizia que tinha outros afazeres. É que eu, pelos vistos, também era considerada um dos seus afazeres... Pronto! Ficaste a saber que foram dois... Caramba! Dois namorados até que nem é muito! Dois, mas não os dois ao mesmo tempo Harrieta!! Quando eu e o Juvenal terminamos, tive um namorico com o Lopes, mas não foi nada de sério... Se eu soubesse o que sei hoje, não me tinha era contentado com tão pouco e tinha mas é aproveitado a vida!

 

Despeço-me afoita e ainda nada recomposta com o que vi! Ai que não me sai da cabeça! Achas que posso estar tola Harrieta? 

 

Até amanhã,

 

G.

 

 

 

 

 

 

 

link do postPor A Velha Amarga, às 12:57  comentar

22.9.11

 

 

Hoje constatei uma triste realidade Harrieta,

 

Enganei-me a mim própria, sabotei-me, tapei o sol com a peneira, enterrei a cabeça na areia durante anos, e não sabia!...

Fui à praia! Estava um dia magnifico! Nem calor, nem frio, corria uma brisa agradável e a mim apetecia-me apanhar uma corzinha para ficar com um ar mais saudável... até aqui tudo bem! Levei o fato de banho que tinha guardado lá no fundo no armário, porque já há muito tempo que não o vestia, achei que desde mil novecentos e não sei quanto, não tinha engordado um grama! E Adivinha... Pois então lá entrei no balneário e toca a tentar enfiar-me no espartilho! Bufei, inspirei, respirei, inalei, suei, guinchei, apertei, pus-me em pontas de pés a ver se esticada conseguia, e de repente... ZÁAAAAGGGG!.. A costura rebentou!... Irra!!!! Fiquei fula da vida! Disse tantos palavrões que a pessoa na cabine ao lado me perguntou se me estava a sentir bem....

Quando olhei para o espelho, o cabelo estava desgrenhado de tanto forçar. A laca tomou-me conta do penteado e o que antes estava alinhado e coladinho, parecia agora uma nuvem em forma de ovelha lãzuda, a pintura estava toda esborratada e o suor escorria-me pelo traseiro abaixo... Constatei que a imagem que tenho de mim própria não acompanha a realidade... Fiquei parada no tempo durante anos, recusando-me a admitir que os efeitos do tempo me têm vindo a alterar as formas do corpo e o têm transformado numa massa amorfa e sem sentido... De repente senti-me a perfeita desconhecida. -"Quem é esta? quem é esta?" -perguntei incessantemente ao espelho e rezando ao mesmo tempo para acordar do pesadelo que deveria estar a ter naquele momento...

Estou decidida cara amiga! Vou inscrever-me num ginásio! Quero ver quem é que me vai segurar quando estiver em forma fantástica! Vai ser vê-los a cair pro lado cada vez que eu sair à rua!! Oh-oh se vai!

 

Agora vou querida, depois conto tudo!

 

Um beijo em forma,

 

G.

link do postPor A Velha Amarga, às 09:24  comentar

21.9.11

 

 

Minha querida amiga,

 

Cada vez gosto menos de gente, cada vez confio menos nas pessoas e a cada dia que passa, sinto que talvez esteja mais confortável no meio de uma alcateia de lobos raivosos, do que entre os humanos. E porquê? Porque as pessoas são falsas, dissimuladas e sempre de punhal levantado à espera da oportunidade de esfaquear as costas de uma vítima inocente! Domingo fui à missa como te tinha dito, fiquei no fundo da igreja, mesmo atrás dos últimos bancos. Observei! Vi! Constatei que as beatas estavam todas atentas à vestimenta das mulheres jovens e bonitas, comentando o penteado, a pintura, o decote, tudo! Sempre que alguém se sobressai, a inveja invade quem também quer e não pode! As pobres jovens foram devassadas ali, no meio da Igreja, só porque são bonitas e arranjadas! É o cúmulo! Os sussurros diziam que uma andavam metida com o mecânico, a outra tinha dois amantes desde que o marido emigrara.... Que línguas podres! Eu que saiba que anda o meu nome na boca delas, mulher! Eu que saiba, que até as desanco a todas!

Meteu-me cá um fastio! O Padre Domingues, coitado, palrava que nem um papagaio desconcertado com a falta de atenção das paroquiantes. Tentou o impossível para chamar à razão o seu olhar e os seus ouvidos...

Ao sair, uma das ratazanas de sacristia chamou-me. -Psst psst... -"Oh Dona G. espere! Queria dar-lhe uma palavrinha!" -Oh caraças, fiquei possuída. Sabes que eu não sou dada a conversa da treta, principalmente daquela treta que serve só pra encher balões, então virei-me e perguntei: -"Quem eu? É comigo?" -"Sim, sim, desculpe, mas é sobre a quermesse de Domingo. É que estamos a contar com todas as paroquiantes. A senhora também vai para deitar uma mãozinha, não vai? Olhe que estamos a contar consigo. Traga alguma coisa para o leilão, sim? A Igreja está a precisar de obras e todos temos o dever de ajudar, não é?" -Bem, olha Harrieta, eu cheguei a pensar que me tinha enganado no local de culto e tinha ido parar às Testemunhas de Jeová, porque a mulher não me largava! Irra!! -Olha disse-lhe: -"Só se levar a língua de algumas pessoas para leiloar porque não tenho nada que possoa doar, vivo com o mínimo e o  essencial e a reforma não me chega pra mais nada minha senhora!"... -Tiro e queda! A mulher desandou enraivecida que nem um touro! Aquela não me chateia mais, garanto-te! Beata do Pau Oco! Esta gente deprime-me, acredita!

Ninguém dá nada a ninguém e todos querem alguma coisa!

 

 

Bem, despeço-me por hoje, que hoje não estou nada inspirada,

 

Um beijinho,

 

G.

 

 

link do postPor A Velha Amarga, às 13:16  comentar

16.9.11

 

Querida Harrieta,

 

Espero que te encontres bem aí onde quer que estejas!

Bom, a propósito do que te disse na última carta, sabias que sempre foi verdade aquilo dos "novinhos" da casa do fundo?!

Não é que o marido sempre a apanhou com o colega e lhe deu cabo do cabedal? Bem, cabo é como quem diz... Deu-lhe uma trepa com a espigarda de chumbos, mas como não estava carregada, -segundo uns- ou estava encravada, -segundo outros- deu-lhe com ela nos costados e pimba! 

Mas pra mim, ela é que é a depravada! Levou-o para casa. Ao menos que fosse para um hotel, não achas? Mal por mal, ao menos que as fizesse bem feitas...

A casa já está vazia e deles não se sabe nada. Parece que o outro nem apresentou queixa à polícia. Também... queixar-se de quê? Foi fazer o que não devia, em casa alheia, com a mulher do próximo, e ainda se ia queixar?! Até o diabo se ria! Olha, por falar em diabo, sabias que a ardida da minha nora, depois de tudo, me telefonou a perguntar se quero ir lá almoçar no Domingo?! Isto é cá uma lata!! Disse-lhe que já tinha compromisso! Não tenho, mas pronto! Até vou sair de casa, não venha ela cheirar a ver se estou ou não estou. Vou à missa das 11h e depois vou caminhar um bocado no parque, a ver se a ferrugem não me pega... e pode até ser que a missa me ajude e um milagre aconteça, e eu conheça alguém interessante por lá...

Olha, o meu filho passou por cá esta semana, mas não tocou em nada.... Ela também anda como se nada fosse. Deve vir pra pedir alguma coisa... Dinheiro não tenho, por isso bem pode tirar o cavalinho da chuva. É uma flauzina. Eu bem dizia que ele devia era ter casado com a filha do juíz que é morgada e tem baú, mas a moça também é feiinha como a noite, coitada... continua encalhada. Aquela, o melhor era ir para o convento... ninguém lhe vai pegar... aquilo nem com uma plástica lá ia...

Ah! É verdade! Vi o Sousa Martins um dia destes. Mulher, aquilo é que está um charme!... As brancas dão-lhe um ar distinto. Parece um conde, todo aprumado. Tem porte de atleta. Deve andar no ginásio... Gostava de ter visto a mulher. Deve estar cá uma matrona!... Ficam todas depois que se casam.

É eles a melhorar como o vinho do Porto e elas a oxidar como o bagaço do meu avô! Foi por isso que nunca me casei! Eu sabia que no dia em que ficasse estúpida, ia cair na lábia dos Homens! Sim, que o que eles querem é uma criada pra todo o serviço e mesmo assim não chega, porque depois ainda vão procurar fora o que não lhes basta em casa! Mas eu não!! Eu tive um filho, mas não tive patrão! Irra!! Pro diabo que os carregue a todos!  -Estou a falar dos maridos e não dos Homens, filha- Eu sou como a Amália Rodrigues -"Dormi com eles na cama, tive a mesma condição!" mas só isso, que liberdade é boa e eu gosto!

Que te parece o Pereira? Lembras-te dele? O que mora com a filha nos blocos vermelhos desde que ficou viúvo. Ontem encontrei-o na paragem do autocarro e acho que estava a olhar para as minhas pernas. Modéstia à parte, eu sempre tive umas belas pernas. Bem, para tirar a dúvida, coçei o joelho e levantei um bocado a saia. Foi certeiro. À medida que a saia subia, os olhos dele arregalavam-se por cima dos óculos e até o bigode retorcia! Mas eu nem olhei! Sabes que eu me dou ao respeito! Não pensem agora que isto é de Joana, e que eu ando por aí desesperada atrás do primeiro que aparecer!

Pois não sei...se ele estiver realmente interessado, há-de fazer-me chegar o interesse, não achas?

É... vou continuar firme a ignorar as investidas que assim é que eles gostam! Mulheres difíceis!

Vou terminar querida amiga, pois ainda vou levar o cão à rua (vou aproveitar para espreitar o jardim dos Bastos. Está lá uma carrinha a descarregar qualquer coisa). Beijinhos, beijinhos, beijinhos.

 

Fica bem, aí onde quer que estejas,

 

G.

 

 

link do postPor A Velha Amarga, às 20:27  comentar

 

Minha querida Harrieta,

 

Preciso de desabafar, deitar pra fora, desopilar. Como estás longe e não podes vir tomar o chazinho do costume, vais ter de me "ouvir" por carta. Podia mandar-te uma carta por computador, mas não atino com aquela coisa. Tenho mesmo que me inscrever num desses cursos de computadores. O problema é que eu ia ser a única velha a lá andar, e isso deixa-me um bocado nervosa.

Bem, olha, cortei relações com a ardida da minha nora! Chamou-me -"Ameixa seca e velha mirrada, estropício, limão amargo insuportável e infeliz. Demónio sem sossego"... Deixou-me sem palavras de arremesso! Pus-la fora da porta à vassourada... O meu filho é que não estava presente, e sabes, tenho a certeza que lhe vai encher os ouvidos com mentiras e tentar virá-lo contra mim... Anda uma mãe a criar um filho pra isto, acolhe as dores de parto caladinha que nem um "peto", porque acha que são bem vindas quando se quer ter um bebé lindo nos braços. Um bebé que um dia nos vai amparar e fazer por nós tudo aquilo que recebeu... Pois sim, há 3 dias que se deu a coisa e ele ainda nem me telefonou a saber se eu estava bem.

Sabes Harrieta, -e não vale a pena estares p´raí a dizer que te chamas Harriette com (E) e dois (TT), que eu sei disso muito bem, mas gosto mais de dizer (TA) Harrie(ta), dá-me mais jeito e é menos "tric tric"- fazes-me falta, embora com todas as nossas desavenças, eras a melhor amiga que alguém pode ter. Bem sei que estás tão longe que nem te posso visitar, pelo menos por ora, mas sempre é bem mais agradável conversar com uma amiga morta do que com um inimigo vivo!

Espero que tenhas gostado da última morada, pelo menos da transitória, e que agora te encontres num desses resorts fantásticos com tudo incluído e homens bonitos a mostrar as pernas. Sim, sim, eu sei que gostas de pernas bem feitas. Também eu! Eu vejo futebol, só para ver as pernas dos jogadores! Aquilo sim é que são pernões! Do jogo não percebo nada, mas também não me interessa nada! Ponho é a televisão nas alturas só pra chatear o "Careca".

Olha que tu não te me faças de rogada, que apesar de morta, ainda não faleceste completamente e continuas a deitar os mirones pra regalar as vistinhas, que eu bem sei! Eras uma coquette, lembras-te? Ahh, bons tempos! A juventude não tem preço mesmo.

Fazes tu muito bem mulher! Olha... já eu é que não tenho tido muito com que me entreter.. Isto está cá uma monotonia desde que o carteiro foi transferido..Irra.... Agora anda o Brito a entregar as cartas até arranjarem substituto. Aquele Brito é um "mamão"! Não tem habilidade nenhuma! Parece mesmo um "terinho"! Aqui no prédio, temos o Antunes do R/C, surdo e trôpego que nem um morcego velho. No 1º esq, o Valentim, marido da Esmeralda, aquela que teve um caso com o Antunes há 30 anos atrás, lembras-te? pois... essa agora segura o homem pela trela e com as duas mãos, não vá ele tecê-las também. No 1º dir mora o Jorge Mendes, viúvo há mais de uma década e sem vontade de mudar de estado civil. Esse também, ou é maricas, ou então está cegueta de todo, pois eu bem me arranjo toda, endireito a pose e cumprimento-o em sítios onde a luz me favorece mais, mas ele nada!! É tonto! Não sabe o que perde!! Eu cá ainda ando bem p´ras curvas! No 2º andar temos o "Careca" que parece que vai, mas não vai! Ainda vou eu primeiro, vais ver. Está cada vez mais intragável, sempre a bater com o pé no chão, quando tenho a televisão mais alta, e depois há o Aníbal e a Julinha, que são quem me vale nas horas de maior aflição. No outro dia, a Julinha não pôde vir quando telefonei a dizer que estava de cama e se me podiam ir aviar um medicamento à farmácia. Veio só ele, e olha mulher, ele foi tão atencioso, mais até do que o costume, ajeitou-me as almofadas, trouxe-me um copo de água e até se sentou ao meu lado. Subiram-me cá uns calores quando senti o cheiro a colónia, que até fiquei vermelha. Ele achou que eu estava com febre e pôs-me a mão na testa...

Harrieta, uma mulher não é de ferro, pois não? Eu estremeci toda e ele perguntou-me o que sentia.

Respondi: - "Ai sr. Aníbal, acho que estou com taquicardia, ora ponha a mão!"

Peguei-lhe na mão e encostei-a ao peito e ai, senti umas ondas a invadirem-me lá nas partes baixas, um fogo a tomar conta de mim, uns suores a molharem-me as bragas... Ai, soltei um gemido meio contido meio de fora. -"Ai que eu não estou bem!" -"Oh Sr. Aníbal, ai que eu não me estou a sentir bem!"

Olha mulher, o Aníbal começou a tremer todo, olhei-lhe discretamente "praquilo que tu sabes" e pareceu-me que estava fora do sítio. Olha... o Aníbal levantou-se de repente e saiu-me esbaforido pelo quarto fora a dizer que ia à farmácia e já vinha.

Mas não veio! Quem me trouxe o remédio foi a Julinha, que disse que o Aníbal tinha ido mudar os pneus ao carro.

Achas que eu podia ter um caso com o Aníbal? Olha que ele não é nada de se deitar fora, apesar dos joanetes. Sim, sim, dos joanetes! Tu é que nunca reparas em nada! Tem uns joanetes horrorosos que lhe saem dos pés pra fora. Não é que eu já lhe tenha visto os pés alguma vez, mas aquelas bolas nos sapatos não são bolas de algodão com toda a certeza!

Bem querida, por hoje é tudo! Obrigada por me ouvires! Amanhã meto a carta por baixo da porta, como de costume. A tua casa continua fechada! Ainda não veio ninguém reclamar a herança. Enquanto isso, deixo o correio debaixo da porta, como faz o carteiro.

E quanto à megera da minha nora, acho que uma macumba africana conseguia resolver a questão, que te parece? A D. Rosa Mãe de Santo que mora na Rua Direita ainda trabalha. Um dia destes passo lá para ver o que me diz.

Beijinhos minha querida amiga, ainda vou fazer o almoço e depois dar um saltinho à mercearia a ver se há novidades. Sabes os "novinhos" que alugaram a casa ao fundo da rua? Parece que se vão separar! Acho que ele a apanhou com um colega na cama. Parece que deu ao fulano uma chumbeirada no traseiro... É tudo uma canalhada! Este mundo está perdido mulher!... E quem merecia a chumbeirada era ela e não ele, não achas? Ardida do raio... Havia de apanhar um esquentamento!! Isto agora é assim! É o casa-descasa... mas olha que ela teve coragem!! Na cama deles... irra!!! Há mulheres com feles de gato... Neste caso, de gata e daquelas bem assanhadas....

Bem... depois conto-te melhor. Deixa-me lá ir que se faz tarde.

 

Beijinhos querida, 

 

Assinado,

 

G.

 

 

link do postPor A Velha Amarga, às 11:47  comentar


 
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