Fui à mercearia e encontrei a tonta da Josefina, que evito sempre que posso, porque aquela quando sai à rua leva sempre metro e meio de língua atrás!
Bem, ia eu tão embrenhada nos meus pensamentos Harrieta, que nem dei por ela! Quando vou a entrar, embati no Pereira que trazia um saco de legumes e frutas. Resultado: Os legumes e as frutas esparramaram-se todos rua abaixo... -"Oh Sr Pereira, peço imensa desculpa, deixe-me ajudá-lo!" -"A culpa foi minha que não a vi dona G..." -Toca a apanhar os tomates do Pereira, todos pisados e molengas, coitado do homem, aquilo agora só mesmo pra bolonhesa, que pra salada já não dava... Quando lhe passei a saca, ele em vez de agarrar nela, agarrou-me a mão e não largava! Estava trémulo e passava o lenço pela testa! Disse-lhe na brincadeira que a asa não era a minha mão e ele ficou muito corado e o bigode retorcia! Olha que o interesse dele, afinal, parece que se mantém! Mas eu, nada, claro! Tenho a minha dignidade e não me ofereço ao desbarato! Concluíndo: A parva da Josefina, que estava lá dentro a cuscar tudo, deixou o Pereira ir embora e disse-me em tom de inocência sarcástica: -"Oh dona G., bom dia! Então a senhora esmagou os tomates ao sr Pereira?!...Olhe que ele está viúvo mas ainda não largou o luto... a mulher dele era mesmo boa pessoa, coitada, morreu tão nova...."- Bem, olha... apeteceu-me cometer um crime ali mesmo, em plena luz do dia e rodeada de testemunhas e tudo! Aquele pescoçozinho de abutre careca estava mesmo a pedi-las, e só não lhe deitei as mãozinhas ao gasganete, porque porque e também porque o pobre do Pompeu interrompeu logo ali a conversa e mudou de assunto antes que um motim lhe arruinasse a mercearia toda!
Porque sou uma pessoa educada e simpatizo com o homem, fiz as minhas compras, sai e esperei que ela saisse também. Agarrei-a por um braço quando ela ia a colocar o pezinho na soleira e disse-lhe: -"Vamos tomar um cafezinho, venha que eu pago!" -Podes crer Harrieta que a Josefina quase me teve um ataque ali no meio da rua, e muito caladinha veio comigo até ao café, sentei-a quase à força, pedi o café, bebi-o, e por fim disse-lhe com toda a serenidade do mundo: -"Sabe, minha querida, havia uma senhora nos EUA, que gostava muito de dar à língua e de falar da vida alheia, meter o nariz onde não era chamada e pôr tudo em reboliço... Uma pobre de espírito, enfim.... Sabe o que é que lhe aconteceu? Sabe? Não sabe? Ohhh, deve ter ouvido falar concerteza pois isto passou-se não vai há muitos anos... Deu no Telejornal e tudo! Uma vizinha a quem ela tinha dado cabo da vida com o leva e trás, pegou na faca da carne e traçou-lhe a língua fora!! Verdade minha amiga! Que um raio me caia em cima se eu minto!... Bem, olhe, agora tenho mesmo de ir que se faz tarde! Obrigada pelo cafezinho, sim? Até um dia destes! Gosto em vê-la!"
Saí aliviada!
Beijinhos,
G.